Maurício Pereira fotografado por Felipe Antunes
Lâmina.
por Maurício Pereira
Refinada e bruta. Metal. Feminino.
Delicada e letal.
Irmã quente do sangue frio.
Ou: como sempre, é a poesia o que corta.
E este é um disco de poeta:
o texto livre desamarra a melodia,
(des)orienta a métrica, libera os sentidos:
e a canção se abre pra a poesia divagar.
Disco de poeta.
O uso da língua. Ler.
Livros, pessoas, situações afetivas:
ler por dentro, desfolhar.
A palavra pura.
Dizer o abstrato com força: realizar.
Tudo é direto se for de olhos fechados.
Tudo é direito se for humano.
E o coração, imenso, quase cru, lânguido.
Folk. Folk up. Folk you all.
E o cara sabe cantar.
Pois que cada palavra vai com um mundo dentro
pra te contar o que você tá sentindo.
Interno, profundo.
Daí a voz grave?
Cantada grave, gravada grave, aspirada?
O pianíssimo é gigante: a ponta de um iceberg que
respira.
A banda a serviço disso.
Suave, contida, essencial: provocando o vocal.
E tem o tempo.
Lâmina instala um tempo próprio.
Estala o tempo todo, exige, bate o pé,
é caprichoso:
cobra predisposição.
Ouvir quieto. Ouvir de noite.
Ouvir sozinho.
Ouvir com a pele.
Pra sentir vazio.
E quentura. E presença. E promessa.
Vai entender um negócio desses?
(talvez não seja mesmo pra entender…)
Só se deixar abraçar, se deixar sentir temperaturas.
E se nessa operação o tempo cair no chão e quebrar,
deixa ele lá quieto, não recolhe agora não.
Apenas para.
Para e ouve o disco.
Mas vê se para…
Lâmina.